domingo, 24 de junho de 2012

A Criptoméria dos Açores, uma fileira com futuro


Estive recentemente nos Açores, onde acompanhei as VI Jornadas Florestais Insulares, muito bem organizadas pela Direcção Regional dos Recursos Florestais. Os trabalhos, que decorreram nas ilhas do Faial e do Pico, reuniram técnicos dos Açores, Madeira e Canárias na discussão de um vasto conjunto de assuntos relacionados com a floresta da região Macaronésica. É impressionante a diversidade de desafios que enfrentam esses territórios insulares atlânticos.
No caso concreto dos Açores, trata-se de um território fragmentado por nove ilhas, cada qual com as suas especificidades e dinâmicas próprias, mas com um denominador comum - actividade agro-pecuária do sector leiteiro. A floresta ocupa cerca de 31% do território, constituindo uma componente estrutural da paisagem rural dos Açores.
A floresta de protecção e a floresta natural, que reúne um conjunto interessante de espécies endémicas com um elevado nível de biodiversidade, compreendem aqui uma área significativa (60-65% do coberto florestal). Este tipo de floresta desempenha um papel insubstituível na protecção do solo, na regulação do regime hídrico, bem como na conservação da natureza e da biodiversidade. Nas manchas de floresta de Laurissilva das zonas montanhosas do nordeste da ilha de São Miguel encontra-se o habitat de uma das aves mais ameaçadas no mundo - o Priolo.
Cryptomeria japonica 
O sector florestal produtivo caracteriza-se pela existência de uma área importante de floresta plantada (31% da floresta na Região Autónoma dos Açores), com destaque para as plantações de Criptoméria. Introduzida nos Açores há cerca de 200 anos, são muitas as vantagens comparativas desta essência florestal para a região: um ciclo de produção relativamente reduzido (30-40 anos), boa adaptação às condições ecológicas de altitude (resistência aos ventos fortes) e elevados crescimentos anuais.
Hoje, a floresta de Criptoméria representa cerca de 60% da floresta produtiva e constitui um activo da economia rural regional, nomeadamente na ilha de São Miguel, onde existem alguns recursos próprios de uma fileira florestal assente na transformação de madeira.
Desde a publicação, em 2006, da Estratégia Florestal Regional que a política florestal tem vindo a assumir, cada vez mais, um papel activo no desenvolvimento rural sustentável da região. A valorização da floresta, da complementaridade das suas diferentes funções e na compatibilização com a actividade agro-pecuária e com o turismo de natureza, tem sido uma preocupação do Governo Regional.
O anuncio feito pelo secretário regional da Agricultura e Florestas, Noé Rodrigues, na abertura dos trabalhos acerca do empenho do Governo dos Açores no elaboração de um Plano Regional de Ordenamento Florestal, para assegurar a certificação dos recursos florestais do arquipélago, é uma boa notícia. Conjugado com o plano de marketing para o fomento do uso da madeira de Criptoméria (recentemente, foi lançada a marca “Criptoméria Açores”), cria um conjunto de condições de base que colocam no horizonte a necessidade de avançar para o passo seguinte: a criação do cluster silvo-industrial da “Criptoméria dos Açores”.
O próximo período de programação comunitária 2014-2020 constitui uma oportunidade ímpar para o desenvolvimento desse novo cluster da fileira florestal. Será um período propício para o fomento do conhecimento e da inovação, quer em novas técnicas de instalação e condução dos povoamentos, quer em novos produtos. Nesse contexto, o cluster da Criptoméria dos Açores terá condições para relançar o uso da madeira de Criptoméria no mercado interno e apostar no aumento da exportação para o continente e até para novos destinos intra e extra-comunitários. Todavia, para concretizar esse objectivo, primeiro será necessário organizar a produção e certificar quer a gestão florestal sustentável dos seus povoamentos, quer toda a cadeia de transformação a jusante.
Em síntese, a preparação do próximo período de programação encerra um conjunto de desafios e oportunidades para o sector florestal regional. São desafios que se enquadram nos objectivos inscritos na Estratégia Florestal Regional de melhorar o valor económico do sector florestal, aumentar a diversificação da produção e criar novas oportunidades de mercado, quer em sectores tradicionais, quer em sectores emergentes como as energias renováveis, mantendo, simultaneamente, a gestão sustentável e o papel multifuncional das florestas.
O sector florestal pode aumentar o seu contributo para o desenvolvimento sócio-económico e ambiental da Região Autónoma dos Açores. Nesse sentido, a criação de uma organização de produtores florestais, a estruturação da fileira de Criptoméria dos Açores (e a correspondente a aposta na inovação e no conhecimento) e a valorização do papel da floresta na protecção dos recursos naturais e do ambiente, no quadro mais vasto do ordenamento do território, poderão constituir as linhas orientadoras para a afirmação e sustentabilidade do sector florestal na região.
A programação dos apoios comunitários para o sector florestal no período 2014-2020 constitui um desafio decisivo para o futuro da floresta na Região Autónoma dos Açores, um desafio colectivo que está ao alcance dos agentes do sector florestal.


Miguel Galante (Eng. Florestal)
Publicado na Gazeta Rural, edição n.º 180 (Jun.2012)

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